O governo articula a criação de um novo banco para atender à indústria de defesa com empréstimos, garantias e seguros de crédito à exportação. A instituição ainda não tem nome definido, mas é chamada extraoficialmente de Banco de Defesa Nacional.
Começará com 100% de aportes privados e terá como objetivo oferecer serviços financeiros que as empresas não têm conseguido obter em instituições privadas, mas nada impede alguma capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mais adiante. As próprias empresas vão injetar recursos no banco. Cabe ao governo apenas um
As próprias empresas vão injetar recursos no banco. Cabe ao governo apenas um papel de mobilização. “É uma iniciativa que está muito avançada e deve iniciar as operações em futuro próximo”, disse ao Valor o secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, Marcos Degaut, um dos principais responsáveis pela implementação do projeto.
De acordo ele, as exportações do setor chegaram a um valor recorde de US$ 937 milhões de janeiro a agosto – mais do que todo o montante registrado em 2018. As estimativas oficiais, no entanto, indicam potencial para vendas ao exterior de até US$ 6 bilhões anuais. Pode ajudar, inclusive, o novo status de aliado preferencial extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) dado pelos Estados Unidos ao Brasil. Com isso, empresas brasileiras poderão participar mais de licitações do governo americano.
O que falta, afirma Degaut, são mecanismos de apoio para esse ecossistema. No caso da indústria de defesa, segundo ele, bancos nacionais têm pouca compreensão do setor e bancos estrangeiros sofrem restrições para apoiar o desenvolvimento de produtos que podem se transformar em concorrentes de suas empresas nos países de origem.
Por isso, o secretário defende que a solução passa pelo novo banco. “Para oferecer todo o portfólio de serviços financeiros que bancos privados poderiam oferecer, mas não oferecem. E que os bancos públicos, por sua demora inerente, têm dificuldade de oferecer no curto espaço de tempo que essas operações necessitam.”
Um exemplo que ilustra esse gargalo: a linha específica do BNDES para dar crédito internacional à indústria de defesa, criada com alarde em 2017, foi pouquíssimo acionada e não concedeu nenhum financiamento relevante. Só houve algumas operações envolvendo aeronaves de uso civil. É uma unanimidade, no setor, que a iniciativa fracassou.
Quanto às autorizações do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Degaut antecipa que “grande parte dos entraves administrativos e burocráticos” já foi superada. Ele prefere não revelar, por ora, o valor dos aportes. “O valor que está sendo discutido para a capitalização, neste primeiro momento, é suficiente para atender às necessidades iniciais. Claro que ainda são necessários ajustes finos, estabelecer a parte de governança do banco, direcionamento das atividades. Mas esperamos que, no futuro muito próximo, o ministro Fernando Azevedo] possa fazer o anúncio.”
Além das empresas beneficiárias do novo banco, federações de indústrias que mantêm conselhos na área de defesa – Fiesp (SP), Fiesc (SC), Fiergs (RS), Fieg (GO) e Fiepe (PE) – foram procuradas. Afinal, são 850 mil empregos indiretos que se somam aos 285 mil trabalhadores diretos no setor, movimentando até 4% do PIB. Para o governo, há espaço para crescer significativamente
A indústria tem sofrido com os baixos orçamentos e a imprevisibilidade de recursos das Forças Armadas. A proposta orçamentária para 2020 prevê R$ 7,56 bilhões para o Ministério da Defesa – quase 27% menos do que a dotação deste ano. As vítimas preferenciais são os projetos estratégicos, que têm cronograma mais extenso.
“Isso traz implicações para o Estado e para o setor privado. A desmobilização intelectual é terrível para o país. Para as Forças, é ruim porque elas têm que alongar prazo ou reduzir os pedidos. Às vezes, quando o projeto está perto de sua conclusão, estamos à beira da obsolescência tecnológica daquele produto”, diz Degaut.
Uma alternativa que tem sido estudada pelo Ministério da Defesa é a constituição de fundos bilaterais – do Brasil com fundos soberanos ou privados de outros países – para movimentar a indústria nesse contexto de aperto fiscal. Não serviria para encomendas das Forças Armadas, mas para injetar recursos no mercado. “São capitais para investir em pesquisa, desenvolvimento, inovação ou para dar escala à produção e à exportação.”
As conversas mais adiantadas, segundo o secretário, são com países do Oriente Médio e da Europa. A ideia é que eles coloquem dinheiro em projetos que façam sentido para seu próprio planejamento – fornecimento aos países de origem dos fundos ou exportações conjuntas a terceiros.
Degaut quer que esses capitais ajudem no financiamento a startups do setor. “É caso a caso, vai depender de cada país, mas boa parte dos recursos poderia ir para o desenvolvimento de startups.”
Para ele, falta ainda no Brasil melhor compreensão sobre o “caráter dual” dos produtos de defesa, que não têm serventia só no mundo militar. “Se hoje temos notebooks, internet, teflon, GPS e até relógio de pulso, leite condensado ou M&M, é porque foram feitos investimentos na indústria de defesa.”