A equipe de defesa de Jair Bolsonaro sempre deixou claro que uma de suas principais táticas para tentar afastar as acusações de tentativa de golpe é desacreditar os depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid.
Ex-ajudante de ordens do ex-presidente, Cid firmou um acordo de delação premiada e, em troca de benefícios legais, colaborou com a Polícia Federal sobre o susposto plano de golpe;
Nos dias 9 e 10 de junho, o Supremo Tribunal Federal começou a ouvir os oito acusados de integrar o núcleo central da conspiração. Mauro Cid foi o primeiro a prestar depoimento.
Em linhas gerais, repetiu o que já havia relatado anteriormente. No entanto, em diversas passagens, apresentou dificuldade para se expressar com clareza e demonstrou lapsos de memória, respondendo várias vezes com frases como “não me lembro” e “não me recordo” ao longo das quase quatro horas de interrogatório.
DETALHES - Cid conta que prestou depoimento durante três dias e reclama de manipulação.

Tudo começou no final da audiência, quando um dos advogados de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, fez uma pergunta fortuita. “Quero saber se ele fez uso em algum momento para falar de delação de um perfil no Instagram que não está no nome dele”, indagou. Cid disse que não. O defensor do ex-presidente insistiu: “Ele nunca usou perfil de mídia social para falar com ninguém?”. Cid, de novo, garantiu que não. “Conhece um perfil chamado @gabrielar702?”, tentou mais uma vez o advogado. Cid, nesse momento, gaguejou: “Esse perfil, eu não sei se é da minha esposa”.




As mensagens obtidas por VEJA foram trocadas entre 29 de janeiro e 8 março de 2024. O acordo de colaboração premiada havia sido homologado por Alexandre de Moraes cinco meses antes.
Nesse período, Cid usava tornozeleira, tinha obrigação de se apresentar semanalmente a um juiz e já estava proibido de se comunicar com investigados e falar sobre o conteúdo de sua delação.
Por alguma razão, ele decidiu burlar a determinação de Moraes, usando o Instagram @gabrielar702 para conversar com colegas e pessoas diretamente interessadas no andamento das investigações.
Nos diálogos, fala abertamente das longas oitivas que estava tendo de enfrentar — “Foram três dias seguidos” — e do desconforto em relação ao trabalho dos investigadores — “Toda hora queriam jogar para o lado do golpe… e eu falava para trocar porque não era aquilo que tinha dito”.
Há várias citações a Alexandre de Moraes, identificado pelas iniciais “AM”. Em uma delas, o tenente-coronel diz ao interlocutor que o “jogo é sujo”, que as petições dos advogados não adiantam nada e que o ministro “já tem a sentença pronta” para condenar ele, o “PR, Heleno e BN” — referência a Jair Bolsonaro e aos generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto.
Em outra conversa, ao fazer considerações sobre os depoimentos que estava prestando, o delator é indagado sobre a postura do delegado que conduzia o inquérito.
“Sabe tentar te conduzir para onde ele quer chegar”, ressaltou Cid. O interlocutor então pergunta se o “ele” é Alexandre de Moraes ou Luís Roberto Barroso, presidente do STF.
Cid responde: “AM é o cão de ataque”, “Barroso é o iluminista pensador”. E arremata: “Quem executa é o AM”. As críticas a Moraes, aliás, são constantes, com algumas variações de nível.
O ministro, segundo o delator, “tem talento”, mas para ser um “grande pensador Netflix”. “Não precisa de prova!!! Só de Narrativas!!!! E quando falam de provas.
Metem os pés pelas mãos… Como foi com FM… que não viajou aos EUA”, ressalta o tenente-coronel, se referindo a Filipe Martins, o ex-auxiliar de Bolsonaro preso por ordem do ministro por supostamente ter tentado fugir do país, o que até hoje não foi comprovado.


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