‘Nós concordamos em participar do jogo, agora não adianta mais chorar’, diz Mourão

O Vice-presidente da República, Hamilton Mourão, concedeu entrevista o O Globo e faz revelações, confira na íntegra:

O que o senhor achou do pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira?

Tranquilo, sereno. Ele não acusou o processo eleitoral, da forma que eu achei que acusaria, não acusou o opositor. Já está estendida a ponte para que a transição seja executada, pelo Ciro Nogueira e quem for de direito da chapa do Lula.

O presidente Jair Bolsonaro ficou quase 48 horas em silêncio depois da eleição. O senhor concorda com esse silêncio dele?

Cada um reage aos acontecimentos da sua maneira. Ele está reagindo à maneira dele. Ele procurou a melhor forma de falar tudo o que queria falar sem incorrer em ofensas, ilegalidades.

E o senhor o que acha desse processo?

Nós concordamos em participar de um jogo em que o outro jogador (Lula) não deveria estar jogando. Mas se a gente concordou, não há mais do que reclamar. A partir daí, não adianta mais chorar, nós perdemos o jogo.

O silêncio de Bolsonaro não viabilizou o ambiente para que esses protestos nas estradas acontecessem?

Deveria ter sido realizado quando o jogador que não deveria jogar foi (autorizado a jogar). Ali deveriam ter ido para a rua, buzina. Mas não fizeram. Existem 58 milhões de pessoas inconformadas, mas aceitaram participar do jogo. Então tem que baixar a bola.

Os manifestantes dizem que as eleições foram fraudadas…

Aceitamos participar do jogo. Não considero que houve fraude na eleição. Mas um jogador não deveria estar jogando. Essa é minha visão.

O senhor aconselhou o presidente a se pronunciar durante o período em que ele se manteve em silêncio?

É o que ele falou ali. O que eu tinha aconselhado foi um pouquinho mais e isso aí.

Que pouquinho mais?

Isso é particular.

Como foi a conversa com o Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito?

Ele me ligou para agradecer a mensagem que eu tinha mandado. Eu não fui candidato (à Presidência), então não tenho que reconhecer nada. Bolsonaro e Braga Netto é que foram candidatos. Institucionalmente eu sou vice-presidente, e hoje existe outro cidadão que é o vice-presidente da República eleito. É de boa educação eu me dirigir a ele e dizer que estamos em condição de recebê-lo, que a casa em que ele vai morar está em condições de ser vistoriada. Ele é um cara educado, eu também sou.

Qual balanço o senhor faz desses quatro anos?

O que aprendi é que você tem que entender qual o papel do vice-presidente. A Constituição diz que o Executivo é exercido pelo presidente e seus ministros. O vice-presidente é um apêndice. Tu só vai se dar conta disso quando vira efetivamente vice-presidente.

Isso é frustrante para quem senta aqui?

Acho que todos (os vices) se frustraram. Nos Estados Unidos, na Argentina, no Uruguai, o vice-presidente é também presidente do Senado. Acho que é uma mudança que seria boa aqui. Por outro lado, pela minha personalidade, muita gente me procurou para mostrar projetos, pedir apoio nos ministérios, convidar para fazer palestra, visitar municípios, estados. Eu não tive marasmo.

O senhor admite que teve dificuldade de comunicação com o presidente, o que pode ter gerado as brigas?

Eu nunca briguei com ele publicamente. Ele reclamava de mim, pô. É aquela história, eu tenho noção, né? No atacado nós temos o mesmo pensamento, mas a forma de fazer as coisas é outra.

Qual é a diferença?

Ele é um sujeito mais incisivo, mais verborrágico, e eu não sou. Minha forma de fazer as coisas é outra. Ele sempre foi deputado. Na Câmara, se você não se destaca pela peleia, é engolido. E o papel do Bolsonaro era meter o dedo nos outros. E ele continua fazendo esse papel. E eu nunca fui disso, eu passei dessa fase na minha vida.

Como senador, o senhor manterá o mesmo perfil?

Não é nem uma questão de ser ou não ser conciliador. Você tem que entender que na política uma andorinha apenas não faz verão. Se você não consegue agregar as pessoas em torno das suas ideias, você não vai fazer nada, vai ficar igual um Dom Quixote bradando ao vento.

Nesses quatro anos, do que o senhor se arrepende?

Talvez de determinadas opiniões eu teria guardado mais para mim.

Como qual?

Não lembro aqui de cabeça. Mas eu teria falado menos.

Qual foi o dia mais difícil?

Tu tem que entender minha personalidade. Sempre fui acostumado a vencer desafios. Fui de um para outro, não tive tempo ocioso. Para minha personalidade, o que eu vivi aqui foi muito tranquilo. Tive momentos de estresse apenas.

Estresses com Bolsonaro?

Nunca me estressei com ele. De chegar e falar “perdi meu sono”. Eu tomo uísque todo dia antes de dormir, então não perco o sono.

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