Bolsonaro prestou depoimento em Brasília no inquérito que apura suposta interferência na Polícia Federal
O presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento na Polícia Federal, em Brasília, na noite de quarta-feira (3).
Bolsonaro foi ouvido por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, no âmbito do inquérito que investiga se ele interferiu na corporação.
O presidente respondeu todas as perguntas feitas pela PF.
Ele disse que indicou pessoalmente ao ex-ministro da Justiça Sergio Moro o nome de Alexandre Ramagem para diretor-geral da corporação.
Bolsonaro recomendou a troca no comando da PF por suspeitar de vazamentos para veículos de imprensa de informações sigilosas de investigações em andamento.
Bolsonaro afirmou que Moro concordou com a troca, mas impôs uma condição. O ex-ministro teria aceitado a promoção de Ramagem ao cargo máximo da corporação desde que ele fosse indicado para uma vaga no STF.
Questionado sobre declarações a respeito de possível interferência na PF do Rio de Janeiro, Bolsonaro disse que tinha preocupações com a integridade de sua família, especialmente com o filho Carlos Bolsonaro, que é vereador no estado.
O presidente afirmou ainda que sugeriu a Moro a troca de superintendente no Rio porque avaliava que, “talvez”, o delegado Ricardo Saad não teria autonomia suficiente para tomar decisões necessárias. Bolsonaro disse que considera o Rio um estado complicado, que necessitava de maior atenção.
Confira a íntegra do depoimento do presidente Bolsonaro à PF
1 – Por quais motivos pediu ao ex-ministro Sérgio Moro que fosse trocado o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo?
RESPOSTA: Que confirma que, em meados de 2019, solicitou ao ex-ministro Sergio Moro a troca do diretor-geral da Polícia Federal, Valeixo, em razão da falta de interlocução que havia entre o presidente da República e o diretor da Polícia Federal; que não havia qualquer insatisfação ou falta de confiança com o trabalho realizado pelo DPF Valeixo, apenas uma falha de interlocução; que sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a nomeação do DPF Ramagem para a Direção-Geral; que indicou o DPF Ramagem em razão da sua competência e confiança construída ao longo do trabalho de segurança pessoal do declarante durante a campanha eleitoral de 2018; que, ao indicar o DPF Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal; que conheceu o DPF Ramagem após o 1° turno, quando ele assumiu a coordenação da segurança do então candidato Jair Bolsonaro; que, salvo engano, os filhos do declarante também conheceram Ramagem somente quando ele assumiu a segurança do declarante; que nunca teve como intenção, com a alteração da Direção-Geral, obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal.
2 – Na reunião de ministros do dia 22/04/2020, o presidente fez a seguinte declaração [trecho em que o presidente diz que vai interferir em todos os ministérios]. O que quis dizer quando disse “eu tenho a PF, que não me dá informações”?
RESPOSTA: Que o declarante quis dizer que não obtinha informações de forma ágil e eficiente dos órgãos do Poder Executivo, assim como da própria Polícia Federal; que, quando disse “informações”, se referia a relatórios de inteligência sobre fatos que [ele] necessitava para a tomada de decisões e nunca informações sigilosas sobre investigações.
3 – Conforme o ex-ministro Sérgio Moro, a motivação para a troca do DG/PF seria porque o presidente “precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”. Confirma tais motivações?
RESPOSTA: Que, pelo seu entendimento, necessitava da mudança da Direção-Geral da Polícia Federal, como dito, para maior interação; que nunca obteve, de forma direta, relatórios de inteligência produzidos pela Polícia Federal; que, perguntado se possui acesso ao SISBIN, coordenado pela Abin, disse que não; que muitas informações relevantes para a sua gestão chegavam primeiro através da imprensa, quando deveriam chegar ao seu conhecimento por meio do Serviço de Inteligência.
4 – Nas mensagens contidas no celular do ex-ministro Sérgio Moro, consta, em 23/04/2020, uma reportagem do site O Antagonista, intitulada PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas, encaminhada pelo presidente ao ex-ministro, seguida da mensagem “mais um motivo para a troca”. Por que reforçou a necessidade da troca do DG/PF com a reportagem?
RESPOSTA: Que desconfiava [de] que havia vazamento de informações sigilosas de investigações no âmbito da Polícia Federal para o site O Antagonista, [a] revista Crusoé e outros meios de imprensa.
5 – A troca do DG/PF seria motivada também por uma eventual falta de empenho da PF na investigação sobre a tentativa de assassinato contra o presidente durante a campanha de 2018? Reuniu-se com o delegado responsável pela investigação?
RESPOSTA: Que cobrou do ex-ministro Sergio Moro uma investigação mais célere e objetiva sobre o atentado que sofreu; que não observou nenhum empenho do ex-ministro Sergio Moro em solucionar o assunto; que houve uma apresentação do delegado responsável pela investigação do atentado com a presença do ex-ministro Sergio Moro; que não fez nenhum tipo de pedido na direção da investigação ou qualquer outra interferência no andamento dos trabalhos.
6 – A troca do DG/PF seria motivada também por uma eventual falta de empenho da PF na investigação que visou esclarecer as declarações do porteiro do condomínio da residência do presidente, no Rio de Janeiro, o qual teria levantado falsas suspeitas do envolvimento do presidente no assassinato da vereadora Marielle Franco?
RESPOSTA: Que também cobrou do ex-ministro Sergio Moro um maior empenho na investigação sobre as declarações do porteiro do condomínio da sua residência no Rio de Janeiro; que também não observou nenhum empenho ou preocupação do ex-ministro Sergio Moro em solucionar rapidamente o caso; que soube pelo ex-ministro Sergio Moro que foi aberta uma investigação na Polícia Federal e que foi constatado um equívoco por parte do porteiro; que também foi divulgado na impressa que o filho do declarante, Renan, teria namorado a filha do ex-policial militar acusado pelo assassinato da vereadora Marielle; que posteriormente ficou esclarecido pelo próprio ex-ministro Sergio Moro que o ex-policial militar declarou que a sua filha nunca namorou o Renan, pois ela sempre morou nos Estados Unidos; que esse esclarecimento veio à tona em razão dos insistentes pedidos do declarante para o ex-ministro Sergio Moro solucionar rapidamente o caso; que, portanto, não havia uma proatividade do ex-ministro Sergio Moro.
7 – Por quais motivos, em agosto de 2019, pediu ao ex-ministro Sérgio Moro que fosse trocado o superintendente regional da PF no RJ? Sugeriu algum nome? Por quê? Qual o grau de amizade entre o presidente e o substituto? Havia a intenção de obter informações de investigações sigilosas presididas na SR/PF/RJ ou de interferência?
RESPOSTA: Que confirma que, a partir de agosto de 2019, sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro; que sugeriu a mudança porque o estado do Rio de Janeiro é muito complicado e entendia que necessitava de um dirigente da Polícia Federal local com maior liberdade de trabalho; que não conheceu o então superintendente Ricardo Saadi; que talvez o DPF Ricardo Saadi não tinha a completa independência para tomar as medidas necessárias para melhorar a gestão local; que, no primeiro momento, não sugeriu nenhum nome ao ex-ministro Sergio Moro para assumir a Superintendência do Rio de Janeiro; que posteriormente, em razão da resistência do ex-ministro Sergio Moro, sugeriu o nome de um delegado para a Superintendência do Rio de Janeiro; que há uma vaga lembrança [de] que esse nome seria o DPF Saraiva; que não se lembra quem indicou o nome do DPF Saraiva ao declarante; que, no final de 2018, cogitou indicar o DPF Saraiva como ministro do Meio Ambiente; que não lembra quem sugeriu o nome do DPF Saraiva; que, da mesma forma, nunca buscou obter informações privilegiadas de investigações sigilosas em andamento na SR-PF-RJ ou de interferir, seja na gestão local ou em investigações em andamento.
8 – Conhecia o DPF Carlos Henrique Oliveira de Sousa, o qual sucedeu o DPF Ricardo Andrade Saadi como superintendente da SR/PF/RJ? Reuniu-se com o DPF Carlos Henrique após a indicação para a gestão da SR/PF/RJ? Por quê? Qual o teor da conversa?
RESPOSTA: Que conheceu o DPF Carlos Henrique em uma reunião ocorrida no gabinete da Presidência quando ele foi indicado para assumir a Superintendência do Rio de Janeiro; que o propósito dessa reunião foi para conhecê-lo melhor, ou seja, para que o novo superintendente de um dos estados mais importantes da federação fosse apresentado ao presidente da República.
9 – Em abril de 2020, houve uma nova troca com a exoneração do DPF Carlos Henrique como SR/PF/RJ. Foi o presidente que sugeriu essa nova mudança?
RESPOSTA: Que não sugeriu a nova mudança na Superintendência no Rio de Janeiro, ocorrida em abril de 2020.
10 – Soube, através do ex-ministro Gustavo Bebianno, de alguma investigação sigilosa em curso na SR/PF/RJ (Operação Furna da Onça) que teria como alvo Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro? Como soube?
RESPOSTA: Que não soube previamente nada sobre a operação Furna da Onça, antes da sua deflagração; que todo assunto sobre essa operação ficou sabendo através da impressa; que conheceu Paulo Marinho através de Gustavo Bebianno; que também nunca Paulo Marinho repassou ao declarante informações que ele (Paulo Marinho) teria recebido de um delegado de polícia federal da SR-PF-RJ sobre a Operação Furna da Onça.
11- Na reunião de ministros do dia 22/04/2020, o presidente fez a seguinte declaração [trecho em que o presidente fala da sua segurança e de sua família]… Quando disse “já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente, e não consegui!”, referia-se à troca do SR/PF/RJ?
RESPOSTA: Que há um pequeno núcleo do GSI sediado no Rio de Janeiro, responsável pela segurança do declarante e de sua família; que esse núcleo do GSI é formado por servidores lotados e alguns comissionados; que achava que esse trabalho poderia ser melhorado, principalmente no acompanhamento do seu filho Carlos Bolsonaro, residente no Rio de Janeiro; que, portanto, quando disse que queria trocar gente no Rio de Janeiro, referia-se à sua segurança pessoal e à da sua família.
12 – Por quais motivos pediu, em março de 2020, ao ex-ministro Sérgio Moro que fosse trocada a Superintendente Regional da PF em PE? Sugeriu algum nome? Por que essa pessoa? Qual o grau de amizade entre o presidente e o substituto? Havia a intenção de obter informações de investigações sigilosas presididas na SR/PF/PE e/ou interferência nos trabalhos de Polícia Judiciária?
RESPOSTA: Que confirma que sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a mudança da Superintendente da PF de Pernambuco; que sugeriu essa mudança em razão da baixa produtividade local e pelo fato da então superintendente ter, anteriormente, assumido o cargo de secretária estadual de Pernambuco, o que não [lhe] daria a isenção necessária nos trabalhos locais; que jamais sugeriu a mudança da gestão local com o intuito de obter informações sigilosas de investigações ou de interferência de trabalhos de Polícia Judiciária.
13 – O que entende por “interferência política” na PF? Interferiu na PF?
RESPOSTA: Que entende como interferência política pedidos políticos, e não técnicos, de gestores de órgãos públicos, com a intenção de haver influência política sobre os trabalhos desenvolvidos pelo órgão; que jamais teve qualquer intenção de interferência política na Polícia Federal quando sugeriu ao ex-ministro Sergio Moro a alteração na gestão da Direção-Geral ou em Superintendências regionais; que, quando convidou o ex-ministro Sergio Moro, assim como todos os demais ministros, para fazer parte de sua equipe concordou em “dar carta branca para que cada um montasse sua equipe e os órgão vinculados com os nomes que entendessem, com poder de veto do declarante”; que tanto foi assim que o ex-ministro Sergio Moro trouxe para o seu ministério os profissionais [com] que ele teve contato em Curitiba-PR; que, em determinado momento, percebeu que o ex-ministro Sergio Moro estava administrando a pasta sem pensar no todo, sem alinhamento com os demais ministérios e o gabinete da Presidência; que, por fim, gostaria de acrescentar que sempre respeitou e respeita a autonomia da Polícia Federal e que entende que, mesmo com a alteração de dirigentes de unidades da PF, não é possível interferir nas investigações em razão do sistema penal brasileiro e da cultura organizacional enraizada na instituição; que, perguntado se gostaria de acrescentar algo, disse negativamente; que, passada a palavra aos advogados-gerais da União, não fizeram questionamentos; que registra-se que uma cópia deste Termo foi entregue aos advogados da União.