‘É terrivelmente injusto ver o Brasil como ameaça global’, diz Ernesto Araújo

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que é “terrivelmente injusto” o Brasil ser visto como ameaça global devido a crise de saúde pública. Surgiram cepas em outros lugares, no Reino Unido e na África do Sul e ninguém diz que são ameaças globais.

Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, Araújo criticou a tentativa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de liderar a discussão sobre vacinas com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e com o G-20. “Lula não tem credibilidade nenhuma”, avaliou.

“O ex-presidente Lula não tem absolutamente nenhuma credibilidade nem legitimidade para liderar o que quer que seja”, declarou

Confira os principais pontos da entrevista:

O Brasil tem sido visto como uma ameaça global neste momento da pandemia. O que o Itamaraty tem feito a respeito?

Araújo: Acho que isso é, antes de tudo, terrivelmente injusto, porque surgiram cepas em outros lugares, no Reino Unido e na África do Sul. E ninguém diz que são ameaças globais. Existe aí uma visão um pouco discriminatória em relação ao Brasil. Estamos sendo golpeados por essa doença, obviamente.

A gente pode fazer o que está sendo feito. Acelerar o processo de vacinação, estamos conseguindo vacinas de várias frentes possíveis. É importante que haja esse escrutínio mundial, mas baseado nos fatos, e não nessa percepção de algo fora do controle, que o Brasil está sendo uma fonte de problemas.

Além da restrição de circulação, brasileiros correm risco de discriminação no exterior?

Araújo: Não vejo possibilidade. O que a gente fica triste é ver pessoas, muitos formadores de opinião, aqui no próprio Brasil, amplificando o problema, querendo justamente criar esse clima anti-Brasil ao redor do mundo, por finalidades políticas. No fundo, é uma “oikofobia”, uma raiva de si mesmo. Em vez de ser contra o estrangeiro, é contra o próprio nacional.

Nenhum país está crescendo na média de casos e mortes diárias como o Brasil, que virou epicentro da pandemia.

Araújo: Sim, em números absolutos. Claro que a gente se preocupa, e somos os primeiros a querer controlar. Mas isso não é razão para que se crie essa ideia de que nada está sendo feito e de que o Brasil é uma ameaça.

O Sr. falou recentemente que o sistema de saúde estava “suportando bem” a pandemia. Mudou de percepção?

Araújo: Claro, a situação piorou, se tornou mais delicada nessas últimas duas, três semanas. Falei isso num momento bem diferente (o ministro usou a expressão no último dia 5, quando os Estados alertavam para operação “no limite” e já havia filas por UTI). Falar de colapso pode dar uma ideia distorcida da realidade.

O governo Bolsonaro errou ao não fechar mais cedo contratos para a vacinação?

Araújo: Não. Eu acho que, desde o começo, houve uma estratégia, a meu ver, muito bem conduzida pelo Ministério da Saúde. Uma coisa é a contratação, outra coisa é ter as vacinas.

Estamos sofrendo atrasos.

Araújo: Como o mundo todo. Lá atrás, opções diferentes de contratação não necessariamente estariam se refletindo num ritmo diferente de vacinação agora.

O ex-presidente Lula fez um apelo na TV americana, propondo a Joe Biden a ideia de reunir o G-20 para discutir a distribuição de vacinas. O que acha da ideia?

Araújo: Existe uma confusão mental e de temas. Uma coisa são os países que não têm condições de comprar vacinas e esperavam mais dos países desenvolvidos. A gente viu em reuniões virtuais no ano passado todo mundo dizendo que é preciso solidariedade, mas, do ponto de vista da maioria dos países sem recursos, essa solidariedade ainda não chegou. A nossa situação é diferente, a gente tem recursos, graças a Deus, para aquisição de vacinas, o problema é a disponibilidade.

Lula é capaz de liderar algum esforço diplomático que faça sombra a Bolsonaro?

Araújo: De forma nenhuma. O ex-presidente Lula não tem absolutamente nenhuma credibilidade nem legitimidade para liderar o que quer que seja.

Bolsonaro participará da cúpula sobre clima que Biden promoverá em abril? O que vai propor?

Araújo: Sim, ele vai. Os americanos querem que essa cúpula seja um momento de mensagens fortes do que os países podem fazer na área ambiental. As conversas estão indo bem. O Brasil tem disposição de contribuir para redução de emissões e capacidade de controlar totalmente o desmatamento ilegal e o uso sustentável de nossos recursos.

Quando Biden assumiu se dizia que isso seria um grande problema entre Brasil e EUA. No fundo, está nos unindo. Dissipou-se aquela ideia de que estaríamos em campos opostos. Vamos começar a falar da dimensão comercial também. Eu terei proximamente contatos com a nova representante de comércio dos EUA. Essa parte não está esquecida.

Qual sua expectativa para que o acesso à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) ocorra?

Araújo: A sensação dos membros atuais da OCDE e do secretariado é de que embora não tenhamos formalmente aberto o processo, estamos cada vez chegando mais perto, aderindo a mais instrumentos, então é natural e é bom que o Brasil seja tratado com mais exigência, mais atenção.

O governo enviou agentes de inteligência ocultos à última COP (Cúpula do Clima). Houve reação contrária nas Nações Unidas, e o Ministério Público abriu inquérito. Foi válido?

Araújo: Prefiro que as razões do Executivo brasileiro sobre como foi conformada a delegação não sejam expostas nesse âmbito. Posso garantir que tudo feito de maneira totalmente legal e com todo o respeito às normas nacionais e multilaterais.

Isso pode prejudicar a participação brasileira na COP 26?

Araújo: O importante são as propostas negociadoras que nós vamos levar. Há um cenário bem mais favorável neste ano. Os EUA voltando ao Acordo de Paris é muito importante, porque antes a visão eurocêntrica dominava. E Brasil, Índia e China com visões laterais. Agora com EUA como outro grande participante, isso abre mais avenidas, torna mais complicado o negócio, o que é bom.

O Itamaraty voltará a dar maior participação à sociedade civil na delegação?

Araújo Ainda não começamos a falar disso. O importante é ter uma delegação negociadora sólida com capacidade técnica em todas as mesas. Espero que a participação da sociedade civil não seja uma coisa destrutiva, contra tudo o que o Brasil diz. Nessas reuniões a plateia acaba atrapalhando o jogo às vezes.

No ano passado houve estresses diplomáticos com a China e um pedido de substituição do embaixador chinês. Como foi esse episódio?

Araújo: Eu, pessoalmente, responsável pelas relações internacionais do Brasil, sob coordenação do presidente, nunca expressei nada contra a China. Acho importante que haja transparência no estudo de como surgiu o vírus. Não que a China tenha culpa, mas o vírus surgiu lá. Surgiu no mundo inteiro essa ideia de chamar ou não de vírus chinês.

Nunca tive embate com a China, nem nesse aspecto, nem de atribuir culpa pela pandemia. Agora, o que aconteceu naquela ocasião foram reações inadequadas por parte do embaixador da China a esse tipo de menção.

O Brasil hoje sofre críticas ao redor do mundo, às vezes de parlamentares, até de governos de outros países e não só da opinião pública em geral, e nossos embaixadores não ficam indo ao Twitter para bater boca ou ameaçar.

Mas isso ficou num nível de manifestação pública ou foi levado a Pequim?

Araújo: Eu conversei, por diferentes meios, com autoridades chinesas lá em Pequim, contrapartes minhas.

O Sr. pediu a substituição do embaixador chinês?

Araújo: Não quero entrar no conteúdo da conversa. Houve uma contestação nossa, uma chamada de atenção nossa em relação à atitude do embaixador, o comportamento não era construtivo, não era benéfico à relação Brasil-China. O diplomata tem que aceitar uma certa assimetria naquilo que ele pode falar e naquilo que os agentes do país falam.

O Sr. tem sido alvo de especulações de que pode deixar o governo. Já conversou com Bolsonaro objetivamente sobre isso?

Araújo: Tenho certeza de que não há nada desse tipo sendo pensado. Meu trabalho não é meu, é a implementação de uma agenda de política externa que o presidente traz desde a campanha. Bolsonaro me nomeou por causa do meu compromisso de fazer a política que ele quer. A gente descobriu muita afinidade. Não é uma coisa acidental.

O Sr. tem planos de se candidatar a cargos políticos eletivos?

Araújo: Não tenho nenhum plano, jamais pensei nisso.

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