Indiciado pela Polícia Federal sob a suspeita de planejar um golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro se diz vítima de uma perseguição e não descarta se refugiar em uma embaixada caso tenha sua prisão decretada ao final do processo penal.
“Embaixada, pelo que vejo na história do mundo, quem se vê perseguido, pode ir para lá”, disse ao UOL. “Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado.”
Ele admite ter conversado sobre “artigos da Constituição” com os comandantes das Forças Armadas para “voltar a discutir o processo eleitoral” após o pleito de 2022, mas diz que a ideia logo foi “abandonada”
Bolsonaro nega ter ciência de plano para prender ou matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
O ex-presidente foi indiciado pela PF, mas a denúncia cabe ao procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Leia a seguir a entrevista de Bolsonaro ao UOL, concedida nesta quarta-feira em um restaurante em Brasília:
1-A PF afirma que o senhor tinha ciência do plano para matar ou prender o ministro Alexandre de Moraes. O senhor sabia disso?
Para mim, é uma grande estória. A PF faz aquilo que o senhor ministro [Alexandre de Moraes] assim deseja. Basta você ter conhecimento dos áudios do Airton Viera [juiz instrutor de Moraes] para o Tagliaferro [Eduardo Tagliaferro, funcionário do TSE]: “Tenha criatividade” [expressão usada por Airton para Tagliaferro ao pedir investigação contra uma revista]. Aí o que fazem são suposições.
“Que plano era esse? Dar um golpe com um general da reserva, três ou quatro oficiais e um agente da PF? Que loucura é essa? Ali no prédio da Presidência trabalham mais ou menos 500 pessoas. E eu sei o que cada um tá fazendo?”.
E esse plano é para sequestrar e envenenar? Pelo que sei, o Alexandre não sai de casa com menos de seis agentes do lado dele. Isso aí é até bravata. É papo de quem tem minhoca na cabeça. Sequestrar, envenenar, matar. Matar o Alckmin? Não dá. Pra quê?
2-A condenação do presidente Lula na Lava Jato considerou a “teoria do domínio do fato”. No seu caso, parece praticamente impossível que o senhor não soubesse que um golpe estava sendo elaborado. O senhor acredita que o Judiciário pode aplicar a mesma teoria no seu processo?
Não. Lá atrás teve desvio. Foram devolvidos R$ 5 bilhões. Tinha o sítio de Atibaia, o apartamento do Guarujá, delações do Palocci [Antonio Palocci], depoimentos, delações. Agora tem uma única delação [de Mauro Cid], que ninguém mostra. Por que não mostra?
3-A investigação não tem só a delação de Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens. Tem documentos, provas, a agenda do general Augusto Heleno.
O que é esse plano [Punhal] Verde e Amarelo [apreendido com o general reformado do Exército Mário Fernandes, que previa a morte de Lula, Alckmin e Moraes] de que você fala? É de 2022. Não tenho a menor ideia do que seja isso. Começou a colocar em prática esse plano? Pelo que eu sei, não.
4-Outro ponto importante da investigação da PF é a chamada minuta do golpe. Tem os depoimentos do comandante do Exército e do comandante da Marinha dizendo que o senhor apresenta a minuta e propõe a eles que seja declarado estado de defesa ou estado de sítio para anular as eleições.
Minuta do golpe é baseada na Constituição. Para que serve a Constituição? É a nossa lei máxima. Eu entendo que ali é um norte para você seguir. Se tem um remédio ali, por que não discutir?
Discutir um dos artigos da Constituição é algum crime? Foi levada avante alguma dessas possíveis propostas? O comandante do Exército falou sobre isso. Foi discutida a hipótese de GLO, de 142, de estado de sítio, estado de defesa. Qual é o problema de discutir isso aí?
5-Mas por que o senhor queria discutir isso? O senhor queria anular as eleições?
O nosso foro para discutir esse assunto era o TSE. O Valdemar [Costa Neto, presidente do PL] deu uma procuração ao nosso advogado e ele peticionou o TSE apontando possíveis inconsistências. Em poucas horas, o pedido foi indeferido com uma multa de R$ 22 milhões. Se nós voltássemos a recorrer, a multa podia passar para R$ 200 milhões. Ou até cassar o registro do PL. Virou terra de ninguém. Onde nós podemos nos socorrer? Esqueça a legislação eleitoral. Tem alguma maneira de, na Constituição, voltar a discutir o processo eleitoral? Tem ou não tem? Teria, supostamente, nesses artigos que falam de sítio e defesa.
Isso foi conversado com várias pessoas e não foi uma discussão muito acalorada, porque rapidamente – olha, esquece, o certo é peticionar o TSE. Mas a arbitrariedade se fazia presente na pessoa do presidente do TSE [na época, o ministro Moraes]. Agora, o Alexandre Moraes interferiu ou não no processo eleitoral? Sim.
6-Algum subordinado seu pediu para o senhor dar um golpe de Estado?
Eu acho que seria uma tremenda ignorância, tá certo? Petulância. Não estaria sofrendo bem das faculdades mentais. O que é um golpe de Estado?
“O golpe de Estado não é o que presidente quer. Ele tem que se articular com as Forças Armadas, com políticos, classe empresarial, como fizeram em 1964. Ter recurso, tropa na rua”
7-O senhor tem medo de ser preso?
Bem… Vivemos num mundo das arbitrariedades. Agora eu não posso ir dormir preocupado de que a PF vai estar na minha casa amanhã cedo. Eu já tive três [operações de] busca e apreensão, tá? Absurdas, absurdas.
Corro risco, sem dever nada, corro risco. [O STF] Vai fazer a arbitrariedade, vamos ver as consequências.
“O que eu tenho a ver com o cara do rojão [do atentado na frente do STF]? Caiu na minha conta. O próprio Alexandre no dia seguinte: pau em mim”
8-E o senhor cogita se exilar numa embaixada?
Embaixada, pelo que eu vejo a história do mundo, né, quem se vê perseguido pode ir para lá. Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado.
9-O senhor vai se manter candidato a presidente em 2026?
Eu vou. Sou um cidadão. Sou um réu sem crime. Fui condenado [tornado inelegível pelo TSE] sem crime nenhum.
10-E quem vai ser seu vice?
Talvez um nordestino, um pau de arara, um cabra da peste.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/raquel-landim/2024/11/28/bolsonaro-golpe-entrevista.htm