A Rainha de Copas do STF, diz editorial do Estadão

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que o empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), fosse incluído no rol de investigados no longevo e vasto inquérito das “milícias digitais”.

O crime que Musk teria cometido virou pecado capital por estas bandas: ele criticou as ordens de Moraes para suspender contas de bolsonaristas no X e afirmou que reativaria essas contas – o que ainda não fez. Só isso, basicamente. Mas foi o que bastou para irritar o mercurial ministro Moraes – cada vez mais parecido com a Rainha de Copas, a célebre tirana do País das Maravilhas que mandava cortar a cabeça de todo mundo que a contrariava.

No fim de semana passado, Musk foi ao X para desfiar críticas à atuação do STF. Suas baterias se voltaram particularmente contra Moraes, a quem Musk acusou de “trair descarada e repetidamente a Constituição e a população do Brasil”. Além disso, o empresário ainda afirmou que Moraes pratica “censura agressiva” e faz “as exigências mais draconianas do mundo” à sua empresa.

É preciso muito esforço interpretativo para compreender onde estaria, afinal, a “dolosa instrumentalização criminosa” do X, como sustenta Moraes em seu despacho ordenando a abertura do inquérito contra Musk. O empresário teceu críticas a decisões que Moraes, de fato, tem tomado – e não de hoje – ao arrepio das garantias individuais e direitos fundamentais assegurados pela Constituição que ele tem por dever defender. Este jornal não se furtou a fazer algumas dessas mesmas críticas, e nem por isso se esteve diante de uma “dolosa instrumentalização criminosa” da liberdade de opinião.

De fato, são críticas duras. Mas daí vai uma distância continental até que se possa vislumbrar que Musk teria cometido crimes tão graves a ponto de ensejar a abertura de outro inquérito contra ele, este exclusivamente para investigar se o empresário, com suas postagens, cometeu “obstrução de justiça, inclusive em organização criminosa” e “incitação ao crime”, como alega o sr. Moraes. Seria risível, não fosse tão perigoso para o País o fato de um único ministro do STF se arvorar em leão de chácara da democracia no País.

Esse episódio só reafirma o caráter arbitrário que os tais inquéritos das milícias digitais e das fake news assumiram, em prejuízo dos princípios democráticos mais comezinhos. Nesse sentido, talvez o problema maior nem seja a elástica compreensão do sr. Moraes sobre seu papel como ministro do STF, mas a obsequiosa cumplicidade de seus pares diante de suas decisões cada vez mais extravagantes.

Ameaçar descumprir ordem judicial, convenhamos, não é crime, razão pela qual não se justifica a abertura de um inquérito nem no Brasil nem em nenhum outro país civilizado. Se e quando Musk vier a descumprir uma decisão exarada por qualquer magistrado do País, que sobre ele recaiam as consequências de sua insubordinação, mas não antes.

Não ter a compreensão de que nem tudo é um ataque ao Estado Democrático de Direito só reforça o ânimo liberticida dos verdadeiros inimigos da democracia – que, não por acaso, têm se apresentado maliciosamente ao País e ao mundo como “perseguidos” pela Justiça.

Quanto mais o Supremo comete exageros, mais suas decisões terão a legitimidade questionada pelos cidadãos, o que é meio caminho andado para a desmoralização do Judiciário, algo que obviamente só interessa aos extremistas dedicados à destruição do Estado Democrático de Direito.

Fonte: https://www.estadao.com.br/opiniao/a-rainha-de-copas-do-stf/

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